sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Lacuna cultural na história brasileira,

Antes de começar vou estabelecer uma escala, começando por seus avós, depois passando por seus pais até chegar a você.
Claro que essa escala depende da idade de cada um, mas imagine o seguinte, seu avô nasceu antes da ditadura, seu pai nasceu durante a ditadura e você depois, ok.
O Brasil, desde sempre, pode ser descrito como um choque de culturas, uma mistura intensa de raças, e isso é de conhecimento de todos, isso ajudou a fundar a cultura brasileira, diferente da Européia, diferente da Africana, diferente de todas.
Enquanto na Europa as óperas tomavam conta do cenário sendo apresentadas aos reis e suas cortes, o batuque era o principal "estilo musical" na África. A música e arte era feita na Europa principalmente para os reis, assim se dão seus temas restritos e monótonos, no Brasil isso mudou, um exemplo disso é Domingos Caldas Barbosa, filho de português e uma escrava. Apesar de estudar em Coimbra (só existia essa universidade?) ele introduziu em suas músicas um pouco da senzala, do romance, coisas que a corte portuguesa não conhecia, ele introduziu a expressão e sentimento que faltava a algumas músicas portuguesas, criou o estilo conhecido como modinha.
Ficou famoso não só no Brasil, encantou estrangeiros com o que havia criado.
Passa-se muito tempo (Domingos morreu em 1800) e tudo o que era desenvolvido no Brasil chegava a Portugal sob uma atmosfera, ao mesmo tempo, de medo e censura e excitação e novidade, as danças mais atrevidas do Brasil (tinha uma dança da Umbigada, que era tipo um créu do século XIX onde se formava uma roda e o homem saudava a mulher com a "umbigada", e ela retribuía) fizeram certo sucesso em Portugal, por se tratar de algo novo, logo as festas nos castelos eram mais animadas e acabavam com os membros da corte e convidados dançando descalços.
A música brasileira foi evoluindo, tanto que no início do século XX existia uma matéria na escola que ensinava a teoria musical, e o solfejo, que nada mais era do que cantar as notas musicais em sequência, no início do século passado a cultura era "ensinada" na escola, era passada para o futuro da nação, o discernimento, a propriedade de escutar e saber criticar tipos de arte era passada, porque o ignorante não é aquele que não sabe, é aquele que tem oportunidade de conhecer e simplesmente a julga inútil.
A música e arte brasileira chegou a Paris, onde foi recebida com certa alegria e fervura, a cultura brasileira, tão mestiça era ouvida longe, até que os Anos de Chumbo chegaram.
Há quem diga que a ditadura fez a arte brasileira aflorar, em músicas, poemas e peças contrárias ao movimento dos militares, que poetas e cantores tiveram inspiração na resistência, mas eu não acho que seja assim.
Ao mesmo tempo que milhares de músicas foram criadas e censuradas, poetas foram exilados, escritores foram presos por vestir a camisa do Paraguai, foram esquecidas as crianças dessa época que, como Karl Mannheim já havia citado, são fundamentais para o futuro de qualquer país, pois o que se faz com elas é o que elas farão com a sociedade no futuro.
Lembra do esquema que propus no início do post? Pois, essa é a época de nossos pais, eles foram essas crianças censuradas, que foram proibidas de ouvir Chico Buarque, as músicas cheias de metáfora contra a ditadura de Raul Seixas, de ler Paulo Coelho (esse que era amigo de Raul, tem uma história interessante sobre os dois).
Essas crianças, ao sofrerem intensa censura, foram privadas da ópera do começo do post, da modinha de Domingos Caldas Barbosa, passaram a aprender que música se relacionava com atitudes anti-ditadura, que arte não era necessária (essa é a minha visão, não vivi nessa época, mas pelo que andei vendo era isso mesmo) e o discernimento foi tomado dessas crianças, essa geração, que para alguns é um ápice de cultura reprimida, pra mim é um vazio, não pelo que deixou de ser criado, mas pelo que deixou de ser ensinado às crianças.
Espero ter conseguido me expressar para finalmente chegar a nós, passando nossos avós e pais, chegamos ao século XXI, nada de ditadura, nada de censura (em termos), suposta liberdade para a imaginação, para criar, mas onde está a criação?
Mesmo com o fim da ditadura, as aulas de solfejo não voltaram, não voltaram a nos ensinar nas escolas o que é realmente necessário, voltaram a pregar o decoreba, como nos anos de chumbo, cicatrizes da ditadura? Não sei disso.
Esse buraco que a ditadura criou gerou a juventude atual, superficial, corriqueira, acomodada, uma juventude que não se aprofunda em nada, que pensa que ler as manchetes na internet é se informar, que acha ópera idiota sem saber mesmo o que é, que odeia MPB sem saber o que é, que ignora a história, eu mesmo faço parte disso.
Sem o conhecimento básico para saber escutar, ver e criticar, nos acomodamos no que a TV e as mídias nos apresentam, é como comer muito cachorro quente, você se acostumou a comer cachorro quente, quando alguém lhe oferece nhoque ao molho branco com ervilhas você diz "não, não, cade meu cachorro quente de sempre?" isso acontece também com a gente entre o arroz e feijão e o sushi por exemplo.
Nós não procuramos a cultura mais, não aprendemos a criticar corretamente, só aprendemos a gostar do que nos é colocado, pelo ato da repetição, poucos ainda conseguem enxergar além disso.
Tudo isso pode se divergir pra diversos assuntos, como a falta de criação artística desse século, que tende mais a recuperar coisas passadas do que a criar novas, mas isso já aconteceu muito no passado também, pode se dizer que a vida e a história são feitas de ciclos que se repetem com certo período e que evoluem em outros, acho melhor parar por aqui mesmo, boa noite.

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